A Colaboração Premiada Como Meio de Investigação

Por: Delegado Cassiano Oyama
05/09/2018 05/09/2018 14:34 978 visualizações

O instituto da Colaboração Premiada tornou-se mais notório em nosso país após a operação Lava Jato, a qual trouxe à tona uma série de “delações” capazes de desvendar quantias vultosas de dinheiro público desviado, dentre outros crimes. Este mecanismo de investigação, porém, já é velho conhecido no nosso ordenamento jurídico.

 

A colaboração premiada, ou delação, como é comumente chamada, consiste em espécie de acordo, verdadeira negociação, entre o Delegado de Polícia ou o Promotor de Justiça, e o investigado/acusado. Por óbvio, os termos deste acordo passam pelo crivo do Poder Judiciário, para produzir efeitos.

 

Destaque-se que este “negócio” contrapartidas de ambas as partes. De um lado, o investigado pode ter sua pena reduzida, deixar de ser apenado ou, até mesmo, sequer ser denunciado. A contraprestação consiste na confissão de envolvimento no ilícito investigado e fornecimento de informações que, ao menos, apontem demais envolvidos.

 

Em regra, o colaborador deve indicar alguém hierarquicamente superior dentro da organização criminosa, trazendo fatos desconhecidos e apontando meios de prova. O nascimento deste instrumento de investigação remete ao Common Law, originado no Reino Unido e que consiste no sistema jurídico baseado em costumes e que leva em consideração, principalmente, julgados anteriores sobre o tema. Lá surgiu o plea bargain (ou bargaining), que consistia, basicamente, na diminuição da pena em decorrência da assunção da culpa pelo acusado.

 

O maior alcance deste sistema, no âmbito mundial, deu-se na atuação do juiz italiano Giovanni Falconi, famoso por dar início às investigações contra a organização criminosa Cosa Nostra. “Dar início” porque o magistrado foi vítima de homicídio antes de completar seu legado, qual seja a deflagração da Operação Mani Pulite (mãos limpas).

 

No direito brasileiro, as “delações” são previstas em alguns institutos legais. Citamos, inicialmente, o dispositivo do Código Penal que trata do crime de extorsão mediante sequestro e prevê redução de pena para “o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado”.

 

O instituto também se fez presente em outros dispositivos legais, como a Lei de Crimes Hediondos, Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e Contra a Ordem Tributária, Lei de Crimes de Lavagem de Capitais, Lei de Drogas, Lei de Crimes Contra a Ordem Econômica (neste caso chama-se acordo de leniência), entre outros.

 

No entanto, apesar das previsões acima, sua aplicabilidade plena convergiu com a publicação da Lei n.º 12.850/13, que finalmente trouxe verdadeiro cronograma a ser seguido em uma delação premiada, suprindo lacunas legislativas pretéritas. A Lei que trata das investigações em crimes praticados por Organização Criminosa finalmente positivou o binário voluntariedade e efetividade.

 

A característica de uma colaboração efetiva leva em conta, logicamente, seu resultado, que pode recair na delação que aponta demais membros do bando, desvelar sua organização hierárquica (fundamental, não só, para a fixação da pena), prevenir a prática de novas infrações, recuperar o fruto pecuniário da ação criminosa ou ainda levar à localização de alguma vítima (neste caso confunde-se com o disposto no Código Penal no tocante ao crime de extorsão mediante sequestro). Mas o ponto mais importante desta norma consiste no reconhecimento legislativo de que a Colaboração Premiada é instituto que se presta a auxiliar as investigações criminais.

 

Infelizmente, justo neste diapasão, a Procuradoria Geral de República buscou manifestação da Corte Suprema sob a alegação de que uma colaboração conduzida por Delegado de Polícia de carreira seria inconstitucional. Ora, se o Delegado de Polícia é a autoridade com o mais íntimo contato com as investigações, seria absurdo subtrair-lhe essa “ferramenta de trabalho”.

 

Desta forma, decidiu o Supremo Tribunal Federal ao encerrar o julgamento da ADI n.º 5508, ovacionando a carreira jurídica do Delegado de Polícia e colocando fim a eventual discussão sobre o tema ao definir que a Autoridade Policial pode firmar acordo de Colaboração Premiada, nos moldes da Lei n.º 12.850/13, sobre o qual o Ministério Público deve opinar, cabendo ao Juiz a decisão de homologar, ou não, o acordo.

 

Finalmente, apesar do notório avanço do instituto, que se firmou como importante mecanismo de investigação, é importante ressaltar que o instrumento deve ser utilizado com extrema cautela, pois, na essência, consiste simplesmente em “negociar com um criminoso”.

 

Cassiano Ribeiro Oyama é Delegado de Polícia Civil, titular da DHPP de Palmas, formado em Direito pela PUC-PR e pós-graduado pela Escola da Magistratura do Paraná.