Ação Controlada e os Bastidores da Operação Suborno

Por Delegado Thyago Bustorff
13/09/2018 13/09/2018 14:32 1039 visualizações

Recentemente, foi veiculado nos meios de comunicações, notícias sobre uma tentativa de furto a uma agência do Banco do Brasil no norte do Estado do Tocantins, mais precisamente na cidade de Augustinópolis, fato ocorrido na madrugada do dia 15 de julho de 2018. Naquela ocasião, 04 (quatro) suspeitos foram presos pela Polícia Militar e mais 03 (três) foram capturados, três dias depois, já na manhã do dia 18, pela Polícia Civil.

 

O que parte da população desconhece é sobre a existência da técnica especial de investigação utilizada, a chamada Ação Controlada, que possibilitou a efetivação da prisão desses outros três integrantes da organização criminosa (que chamaremos de ORCRIM).

 

Mas, primeiro, vamos voltar à situação da empreitada criminosa e contextualizar o caso: uma organização criminosa arquitetou minuciosamente o arrombamento de uma agência bancária na cidade. A expectativa dos membros da ORCRIM era a subtração de cerca de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). Para a execução do crime, foi locado um imóvel na cidade de Augustinópolis, que serviu de apoio para realizarem todos os levantamentos necessários: quantidade de viaturas e policiamento existentes na cidade, movimentação da agência bancária, dia de chegada dos carros fortes e rotinas em geral.

 

Já na cidade de Imperatriz, situada no estado vizinho do Maranhão, foi fixada uma base da ORCRIM, onde os criminosos recebiam apoio logístico de outros membros da Organização, que também tinha ligações com a Facção Criminosa Comando Vermelho. Tudo foi meticulosamente planejado com bastante antecedência. O líder tinha em seu poder uma máquina bloqueadora de sinal, capaz de derrubar qualquer sinal eletromagnético num raio de 01 km de distância: sinal de TV, celular, internet, alarme de banco, completamente tudo.

 

Começa então a execução do pretendido crime perfeito, com cada um dos integrantes com suas tarefas previamente delimitadas: uma vez ativada a máquina bloqueadora de sinal eletromagnético, dois ficaram responsáveis por realizar o arrombamento na parede do banco a fim de ter acesso ao cofre; um ficou nas imediações do Batalhão da PM, escondido em um matagal, e seria o responsável por acionar os demais em caso de qualquer movimentação dos policiais militares; outro realizava rondas na cidade em um veículo, identificando os locais onde estavam as viaturas da Polícia, avisando em caso de aproximação; por fim, o mentor, vulgo “Coroa” ou “professor”, fingia estar namorando uma mulher, também membro da ORCRIM, numa praça situada em frente ao banco, enquanto os outros permaneceram na cidade de Imperatriz/MA, prestando apoio logístico. Parecia então o crime perfeito: estima-se que o grupo levaria cerca de 40 minutos para entrar no cofre e realizar a subtração do dinheiro.

 

Só não contavam os criminosos com o feelling dos policiais militares da cidade, que, através das câmeras de segurança existentes nas proximidades da agência bancária, desconfiaram do casal namorando tarde da madrugada no local. Em seguida, deslocaram uma guarnição ao local e, após as diligências preliminares, os PMs perceberam que estava em execução uma ação criminosa que tentava arrombar o Banco do Brasil, o que, de imediato, mobilizou todas as forças de segurança para captura dos envolvidos.

 

Pela digna Polícia Militar, foram presos 04 integrantes da ORCRIM, dentre eles, o líder e mentor do crime, também proprietário da máquina bloqueadora de sinal. Estima-se que, no Brasil inteiro, existem apenas 04 equipamentos desse e que são utilizados em arrombamentos a bancos. Um deles foi recuperado naquele dia.

 

Enquanto se diligenciava ininterruptamente para localização dos demais envolvidos, que conseguiram fugir, os capturados foram conduzidos à Central de Fragrantes e, quando da lavratura do procedimento policial, foi oferecido, pelo líder da ORCRIM ao Delegado Plantonista, a quantia de R$ 1.000,000,00 (um milhão de reais), cujo montante seria trazido da cidade de Salgueiro/PE, a fim de que o deixasse em liberdade em detrimento dos demais. O “Professor” cometia, então, além dos crimes de tentativa de furto qualificado e organização criminosa, o crime de corrupção ativa, ao tentar subornar um agente público para que não realizasse um ato de ofício, qual seja: a lavratura do auto de prisão em flagrante.

 

Tal situação abriu um leque de oportunidades à investigação: poder recuperar R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e dar um significativo golpe no Crime Organizado, conseguir capturar os demais envolvidos e identificar outros líderes da ORCRIM. E é nesse ponto aqui que entra a chamada Ação Controlada, disposta no art. 8º, da Lei 12.850/13 (Lei de Organização Criminosa).

 

Referida técnica especial de investigação consiste no retardamento da intervenção do aparato estatal para que se dê no momento mais oportuno sob o ponto de vista da colheita de prova[1]. Em outras palavras, “representa uma relativização do dever policial de ação imediata ante o flagrante delito, em nome da maior utilidade da investigação, em medida bastante pragmática, sempre que não representar risco maior para a vida de vítimas, policiais, terceiros ou envolvidos”[2]. Trata-se, portanto, de uma exceção à prisão em flagrante obrigatória, e é chamada também de “flagrante retardado”, “postergado” ou “diferido”.

 

No caso concreto, a ação controlada consistiria em deixar de lavrar, naquele momento, o auto de prisão em flagrante do líder da ORCRIM, possibilitando identificar e prender os outros envolvidos no evento criminoso, sem contar na possibilidade de recuperação de dinheiro de procedência ilícita.

 

Então, uma vez decidida pela ação controlada, foi informado ao Poder Judiciário local e ao Ministério Público sobre a sua utilização. O auto de prisão em flagrante foi lavrado em relação aos outros três envolvidos capturados e a medida em execução relacionada ao corruptor e um dos líderes da ORCRIM manteve-se sob sigilo judicial. Foi montada uma força tarefa, com a participação das equipes policiais das Delegacias de Augustinópolis, GOTE (Grupo de Operações Táticas Especiais) e DEIC (Delegacia Especializada em Investigações Criminais).

 

Para tanto, os policiais fingiram aceitar a propina, fazendo com que o criminoso acreditasse sinceramente que os policiais eram corruptos. Então, ele foi levado para local seguro, onde, do lado de fora, equipes policiais se revezavam em serviço de campana, evitando qualquer possibilidade de fuga ou resgate. Apenas uma parte se apresentou como os “policiais corruptos” e as negociações prosseguiram.

 

Percebendo que seus comparsas na cidade de Salgueiro/PE estavam receosos em trazer referido montante via terrestre e desconfiavam sobre a sua “real liberdade”, o “Professor” fez nova proposta: R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) mais dois carros de luxo, uma SW4 e uma Hillux. Só que desta feita, os policiais iriam franquear a máquina bloqueadora de sinais para que os demais membros, que conseguiram fugir e estavam escondidos na cidade de Imperatriz/MA, realizassem um novo arrombamento a agência bancário em outra cidade, na qual já existia levantamento do local e seria o próximo alvo da quadrilha.

 

As negociações prosseguiram e com as diligências efetivadas no estado vizinho, foi possível, na manhã da quarta-feira (18/07/18) efetuar a prisão, ainda em estado de flagrante delito, dos dois envolvidos que foragiram da cidade de Augustinópolis e de outro que prestava apoio logístico à ORCRIM.

 

Muito embora não tenha ocorrido a entrega do dinheiro prometido, não fosse a utilização da técnica especial de investigação, não seria possível se identificar, localizar e prender os outros criminosos que participaram desse engenhoso plano criminoso, sem contar que fora evitado mais um arrombamento a outro banco, que seria alvo desses mesmos criminosos muito em breve.

 

Portanto, a ação controlada demonstrou-se, no caso, como instrumento de investigação imprescindível, que fora utilizado pela Polícia Civil no combate contra o crime organizado e, com sua execução cirúrgica, foi possível efetuar a prisão de outros três criminosos, cujas fichas policiais eram extensas em demasia e contra os quais pendiam mandados de prisão de diferentes estados da federação. Os criminosos eram foragidos da justiça do Maranhão, Pará e Mato Grosso, revelando, assim, a interestadualidade da atuação da ORCRIM.

 

 

Perfil: Thyago Bustorff Feodrippe de Oliveira Martins é Delegado de Polícia do Tocantins,  Pós-graduando em segurança pública e atividade policial pela Associação Propagadora Esdeva/Faculdade Arnaldo Janssen. Graduado em Direito pelo UNIPÊ - Centro Universitário de João Pessoa; Ex-assessor jurídico do Ministério Público da Paraíba; Ex-advogado criminalista; Ex-procurador do Município de Cabedelo/PB.



[1]BRASILEIRO. Renato de Lima. Legislação Criminal Especial comentada. 3. Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015, p. 563.

[2]GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial esquematizado. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 720.